O dia 1º de abril de 2022 marcou o primeiro aniversário de vigência da Lei nº 14.133/21 e, a essa altura, as pessoas já conseguem identificá-la como a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (NLLCA). Dessa forma, a proposta do presente artigo é fazer um balanço desse primeiro ano, além de sinalizar o que deve ser priorizado nos próximos doze meses, que serão essenciais para viabilizar a efetiva implantação da nova sistemática de contratações.

O primeiro aspecto a ser ressaltado é que, nos termos do seu art. 194, a Lei nº 14.133/21 já está sim vigente desde a sua publicação, no dia 1º de abril de 2021. Apesar de ser uma regra bastante clara, algumas pessoas têm dito, de modo equivocado, que a Lei somente entrará em vigor dois anos após a sua publicação, ou seja, em 1º de abril de 2023.

A confusão se dá por ser essa a data fixada no art. 193 para revogação das Leis nº 8.666/93, 10.520/02 e 12.462/11, pois até lá essas normas permanecerão em vigor. Coube ao art. 191 facultar aos órgãos e entidades da Administração Pública, durante os dois primeiros anos de vigência da NLLCA, a licitar e contratar utilizando o regime jurídico das leis antigas ou as novas regras.

Destarte, há um consenso entre as pessoas que militam na área de licitações e contratos administrativos que esse biênio tem por finalidade criar as condições objetivas para aplicação das novas regras. Ora, a partir dessa premissa, resta reconhecer que metade desse prazo já transcorreu, levando à seguinte indagação: o primeiro ano de vigência serviu de fato para tal experimentação? A resposta não é tão simples, como veremos.

Se analisarmos quanto à troca de impressões sobre a NLLCA, que se dá mediante debates, palestras, cursos e publicações técnicas, tivemos um ano bastante produtivo. Isso é positivo, pois aos agentes públicos estão sendo ofertados parâmetros de interpretação para que apliquem, com maior segurança, as novas regras. Nesse aspecto, as mídias sociais, com especial destaque para o Youtube, vêm se tornando importantes fontes de conteúdo, que permitem tanto o acesso a conceitos básicos quanto a reflexões mais complexas sobre o tema. Ainda nessa seara, digna de nota é a iniciativa do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia, que, através da sua Diretoria de Assistência aos Municípios, vem divulgando uma série de estudos denominada “Pílulas Temáticas de Conhecimento – Lei nº 14.133/2021”, que já conta com a publicação de dezessete trabalhos no site da instituição.

Em sentido inverso, no tocante à instrução de processos de contratação amparados na NLLCA, as experiências ainda têm se mostrado muito tímidas, de modo que ainda são poucos os órgãos e entidades que se dispuseram a experimentar as novas regras. Em consulta ao Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), ferramenta que consolida todas as informações em âmbito nacional, se constata que a maior parte desses entes aplica a Lei somente em processos de contratação direta, seja por dispensa ou inexigibilidade de licitação. Quando se faz a busca por licitações na modalidade pregão, por exemplo, não são encontrados processos nos âmbitos da União, dos Estados e das capitais estaduais.

Destaque-se a importância que o Governo Federal assume nesse processo de construção das bases de aplicação da NLLCA, mesmo porque tradicionalmente os entes estaduais e municipais, a despeito de possuírem certa autonomia regulamentar, acabam importando na íntegra o conteúdo das normas específicas da União. É o que ocorre, por exemplo, no caso do pregão eletrônico, em que prevalecem nacionalmente as regras do Decreto nº 10.024/19, e do sistema de registro de preços, muito pautado na disciplina do Decreto nº 7.892/13.

A NLLCA foi rotulada pela comunidade jurídica, de maneira acertada, como uma lei maximalista, em razão da grande quantidade de dispositivos e regras trazidos ao longo dos seus quase duzentos artigos. Não bastasse esse volume de informações, a própria Lei indica a necessidade de cerca de cinquenta atos regulamentares, que deverão ser formalizados por decretos, instruções normativas, portarias e resoluções.

Nesse sentido, a Secretaria de Gestão (SEGES), órgão da estrutura do Ministério da Economia, assume a responsabilidade pela coordenação da elaboração dos atos regulamentares federais, inclusive submetendo as suas minutas à prévia consulta pública. Os atos já editados, disponíveis na opção “legislação” do site www.gov.br/compras, interessam àqueles que atuam na área, dentre os quais destacamos os que tratam sobre atualização dos valores expressos na NLLCA (Decreto nº 10.922/21), pesquisa de preços (Instrução Normativa SEGES nº 65/21) e dispensa de licitação eletrônica (Instrução Normativa SEGES nº 67/21).

Embora a SEGES venha cumprindo a sua tarefa com esmero e transparência, não podemos esquecer que daqui a um ano toda a Administração Pública, com exceção das empresas estatais, estará obrigada a aplicar a NLLCA. Por isso, nesses próximos doze meses, se fazem indispensáveis tanto a edição dos atos regulamentares, quanto a realização de licitações baseadas na nova legislação. Certamente os modelos adotados pelo Governo Federal, destinados à instrução das modalidades de licitação, servirão de paradigma para os demais entes federativos.

Ainda que as mudanças no pregão sejam sutis, o mesmo não ocorre com a concorrência, aplicável à contratação de obras e serviços especiais de engenharia, que deverá ser processada em formato eletrônico e com a classificação das propostas antecedendo a habilitação, de modo inovador em relação à modelagem da Lei nº 8.666/93.

Portanto, é preciso que os Estados e Municípios compreendam que estão submetidos a essa contagem regressiva e busquem o suporte necessário, inclusive junto aos respectivos Tribunais de Contas, para implantação da NLLCA, sobretudo quanto à seleção e capacitação dos agentes de contratação, criação das rotinas da fase de planejamento, com especial ênfase no estudo técnico preliminar, e disciplina da gestão dos contratos.